___________________________________________________________________________________________


Freud e a Neurociência: quando o inconsciente encontra os neurônios

Imagine se Sigmund Freud tivesse à disposição um scanner de ressonância magnética funcional. Dá pra imaginar o brilho nos olhos dele ao ver o inconsciente literalmente “acendendo” no cérebro? Pois é, o que era apenas teoria e intuição clínica no início do século XX, hoje começa a ganhar respaldo empírico através da neurociência. E essa conversa entre Freud e os neurocientistas está só começando — mas já é promissora e, mais do que isso, revolucionária.

De onde partimos? A psicanálise em sua essência

Freud nunca quis romper com a ciência — muito pelo contrário. Lá nos seus primeiros escritos, como no Projeto para uma Psicologia Científica (1895), ele já sonhava com uma psicologia embasada na biologia do cérebro. Só que os instrumentos da época eram limitados demais. Resultado? Ele teve que abandonar a empreitada neurobiológica e criar uma nova ciência da mente: a psicanálise.

Mas Freud nunca deixou de lado o desejo de, um dia, ver suas ideias dialogando com as descobertas do cérebro. O conceito de inconsciente, por exemplo, era revolucionário e absolutamente não verificável por métodos científicos do início do século XX. Mas hoje, com a neurociência moderna, já não é tão “invisível” assim.

Onde estamos agora? O cérebro que confirma Freud

Avanços em neuroimagem, neuroplasticidade, e neurociência afetiva têm mostrado que há sim, uma “realidade” cerebral por trás de muitas das ideias freudianas. Vamos a alguns exemplos:

  • O inconsciente emocional: O neurocientista Joseph LeDoux mostrou que reações emocionais podem ser processadas no cérebro antes mesmo de chegarem à consciência. Em outras palavras, sentimos antes de saber que sentimos. Freud já dizia: o inconsciente governa nossa vida emocional.

  • Memória implícita e repressão: Estudos de neurociência demonstram que traumas podem ser armazenados como memórias implícitas — ou seja, inacessíveis à consciência, mas ativas no corpo e no comportamento. Parece repressão? Pois é. Freud pode ter errado em alguns detalhes, mas acertou no essencial.

  • Atenção flutuante e estados de consciência: A prática clínica psicanalítica, com sua escuta atenta e o uso da associação livre, cria estados mentais que hoje já se sabe ativarem áreas específicas do cérebro associadas à criatividade, introspecção e reorganização de redes neurais.

A fusão freudiana: neuropsicanálise em ação

E aí entra o grande casamento moderno: a neuropsicanálise. Essa área — ainda jovem, mas com bases sólidas — busca justamente integrar a escuta psicanalítica com os achados da neurociência. Não se trata de reduzir a psicanálise a circuitos cerebrais, mas de criar um diálogo fértil entre os dois campos.

É como se Freud fornecesse a bússola e a neurociência, o mapa. Um precisa do outro para compreender a complexidade da psique humana de forma mais completa.

Mas o que muda na prática clínica?

Muita coisa. Um psicanalista hoje pode compreender melhor, por exemplo, por que determinados pacientes têm dificuldades em acessar conteúdos traumáticos (memórias implícitas codificadas pelo sistema límbico). Ou como a regulação emocional pode ser trabalhada em conjunto com técnicas que promovem a reorganização de redes neurais — inclusive através de práticas de atenção plena ou de imaginação ativa.

Além disso, essa abordagem integrada permite compreender transtornos como depressão, fobias ou traumas com uma lente mais ampla: não apenas pela narrativa subjetiva do paciente, mas também pela lente da biologia do sofrimento.

Freud foi o primeiro neurocientista?

Pode parecer exagero dizer isso, mas em certo sentido, sim. Freud partiu de uma formação neurológica sólida e buscava explicar os fenômenos psíquicos a partir do funcionamento cerebral. Quando ele criou a psicanálise, foi justamente por perceber que a mente humana não cabia apenas na anatomia do cérebro conhecida na época.

Ele mesmo declarou, em carta a Fliess, que esperava que “um dia, os dados da psicologia e os da fisiologia se fundissem numa só ciência”. Esse dia, ao que tudo indica, está chegando.